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Construção e Imobiliário: Os “motores” do desenvolvimento do País?

A confederação da construção e do imobiliário, tem vindo frequentemente a público, através de intervenções televisivas, e de comunicados e artigos na imprensa, afirmar que “Não há economia que cresça sem que a construção e o imobiliário também cresçam, já que são os verdadeiros motores do desenvolvimento…”.
Será assim?
Quando se fala em desenvolvimento económico fala-se, normalmente, na melhoria de vários indicadores: PIB, produtividade, exportações, rendimentos do trabalho. Ora, num país como o nosso, onde o edificado e muita da infra-estrutura já são excedentários, nenhum destes indicadores beneficia, pelo menos de modo substancial, com o investimento na construção e no imobiliário.
O Produto Interno Bruto resulta do valor acrescentado das actividades económicas realizadas no interior do País. A construção tem um valor acrescentado baixo, porque os salários são reduzidos e as margens são pequenas. Números do INE mostram que o VAB do sector da construção é pouco mais de 1/12 do dos Serviços e pouco mais de 1/3 do VAB do sector da Indústria, Energia, Água e Saneamento. Um estudo recente da Associação Nacional dos Empreiteiros de Obras Públicas é revelador do que se passa em termos de produtividade: para o período de dez anos de 2000 a 2009, o contributo da construção para o PIB foi, em média, de 5,7%, empregando, em média, 11,2% da população activa. A produtividade, em milhares de euros por trabalhador, ficou, em média, 48,9% abaixo da produtividade do País.
As operações imobiliárias envolvem, frequentemente, valores acrescentados importantes. Mas tais valores acrescentados estão relacionados, sobretudo, com os ganhos resultantes da alteração do uso do solo. De facto, enquanto um terreno para cultivo vale, no máximo, 5 000 euros por hectare, os promotores da construção civil, em contrapartida, estão (ou estavam, durante os “anos de ouro” do imobiliário), dispostos a adquirir quaisquer terrenos urbanizáveis por 1 000 000 de euros por hectare. Ora, estas mais-valias não se traduzem em criação de riqueza ou de emprego, antes resultam, principalmente, da simples alteração do uso do solo, decidida algures num gabinete com competência sobre o ordenamento do território, com um ganho, por enquanto, legal, mas ilegítimo, para vendedores e, sobretudo, intermediários, ganho esse que se traduz a jusante, em encargos acrescidos para os sucessivos intervenientes, até ao comprador final.
Quanto à vertente exportações: Neste caso, comparam-se, normalmente, as facturações no exterior. Há que atender, no entanto, a que as vendas das empresas no exterior não têm todas o mesmo benefício para o País. É obvio que o contributo para a economia de uma empresa construtora que factura um milhão de euros de obras realizadas no estrangeiro não é o mesmo, em termos de exportações, que uma empresa que factura ao estrangeiro 1 milhão de euros de componentes electrónicos concebidos e fabricados em Portugal. O valor acrescentado para o País será muito menor no primeiro caso, pois a mão-de-obra será quase toda do país de destino, tal como as subempreitas, os materiais, a energia, os combustíveis, etc., recursos que serão adquiridos nesse país.
Na vertente exportações há, ainda, a considerar um outro efeito, que é o peso das operações imobiliárias realizadas no território português por empresas estrangeiras ou empresas portuguesas de capital maioritariamente estrangeiro. Neste caso, que corresponde à maioria das grandes operações imobiliárias, como é o caso da onda dos “resorts”, os ganhos obtidos – que, como vimos, incluem os resultantes da alteração do uso do solo -- são exportados, sob a forma de dividendos ou de salários dos gestores das operações, com um peso muito negativo na balança de rendimentos do nosso País.
Finalmente, quanto ao aumento dos rendimentos do trabalho. O lóbi do imobiliário e da construção gaba-se, frequentemente, de ser o segundo empregador a seguir ao estado. No entanto, como a qualificação desta mão-de-obra é muito baixa e a produtividade é, como vimos, também muito reduzida, os rendimentos do trabalho são necessariamente muito baixos. Só se poderá melhorá-los aumentando a qualificação dos operários, o que tem sido descurado pelos responsáveis do sector. No que toca ao imobiliário, veja-se que emprego é gerado, por exemplo, pelos “resorts” que proliferam nas melhores zonas do País: quase exclusivamente empregos de baixa qualificação (construção, manutenção, serviço doméstico), conduzindo, portanto, a baixos rendimentos do trabalho.
O imobiliário e construção como “verdadeiros motores” do desenvolvimento do País? Não parece.
Quais são, então, os “verdadeiros motores”?
É consensual que os verdadeiros motores da economia são o investimento (público e privado, nacional e estrangeiro), não em construção tal como a conhecemos, mas na produção e oferta de bens e serviços de elevado valor acrescentado (tecnologicamente avançados, inovadores, apelando para mão-de-obra altamente qualificada), exportáveis e de reduzido impacto sobre o património natural do País; o investimento no aumento da competitividade das cidades (logo, a reabilitação urbana), no turismo cultural, no ambiente, nas energias renováveis, no mar. E, também, o consumo, desde que seja, predominantemente, de bens e serviços nacionais.
Enquanto, no passado, contribuiu para dotar o País do edificado e da infra-estrutura necessários ao bem-estar das populações e ao funcionamento da economia, a construção foi um importante instrumento do desenvolvimento. Ultrapassada essa fase, os impactos negativos da construção e da urbanização tendem a agravar-se e os benefícios que estas actividades trazem à sociedade deixam de compensar. Foi o que aconteceu, em Portugal, nos anos 90 e 2000.
Desde que se tornaram patentes os excessos da urbanização e da construção nova em Portugal, e se chegou à conclusão que o actual paradigma do sector é insustentável, o poderoso lóbi da construção e do imobiliário vem defendendo a necessidade de se avançar com a reabilitação urbana, na expectativa de novas empreitadas e mais-valias. Cuidado: A reabilitação não pode ser feita “à trouxe-mouxe”, para servir apenas de “lenha para a fornalha” de um sector excedentário, pouco qualificado, pouco produtivo e mal habituado. A reabilitação tem de ser posta ao serviço do País, como via para a sustentabilidade, através da boa gestão do edificado e da infra-estrutura e da valorização do património natural e cultural.
26/12/2011

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