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As minhas primeiras férias algarvias, no longínquo Verão de 1962, deixaram-me na memória registos indeléveis. Da quinta dos meus tios, nos arredores de Portimão, via-se o mar, e, ao longo da linha das arribas, apenas se vislumbrava uma casa, a "casa do alemão". Íamos todos a pé até à praia do Vau, à sombra escassa de alfarrobeiras, calcorreando a areia seca do leito estival de um talvegue. A praia estava sempre quase deserta, a água cristalina e, mesmo a pouca profundidade, descobríamos polvos, chocos e uma grande variedade de peixes. À noite, sobre a açoteia ainda quente, deitávamo-nos no escuro, por entre pilhas de amêndoas e maçarocas, e admirávamos o magnífico firmamento, onde as estrelas brilhavam intensamente. O silêncio só era perturbado pelas nossas vozes e pelo cantar dos grilos, lá em baixo. Pretender manter esse Algarve prístino até aos dias de hoje seria, sem dúvida, utópico. Mas a questão é: o que se fez, de então para cá, foi o melhor que se poderia ter feito para os interesses do país? Provavelmente foi o pior. Dos anos sessenta para cá o "desenvolvimento" do Algarve tem-se traduzido, basicamente, em betão, asfalto e campos de golfe, num festim para promotores e construtores de todos os tamanhos e feitios, que dura até aos dias de hoje. Ainda recentemente, com a discussão do POOC, Plano de Ordenamento da Orla Costeira (ou será "Plano de Ocupação da Orla Costeira"?), os poderosos lóbis do imobiliário e da construção juntaram a sua voz ao coro da populaça instalada nas barracas e maisons erguidas clandestinamente nas ilhas e cordões dunares, para fazerem valer "direitos adquiridos". Com a ajuda de autarcas, planos de urbanização prescritos são "desenterrados", a faixa de protecção costeira é reduzida a metade e a zona de protecção lagunar é urbanizada. É assim em Valde Lobo e é assim nas ilhas-barreiras da Ria Formosa e nas Matas Nacionais de Montegordo e Vila Real de Santo António1. Para os ricos, as villages e os resorts, para os pobres, as barracas e as maisons clandestinas em cima da praia. Uma estranha união de classes, comungando da mesma cupidez e falta de visão. É assim no Algarve de hoje. A ganância de uns e a boçalidade de outros, perante a passividade ou conivência de quem deveria defender o bem comum, justificam um novo conceito urbanístico que já se vulgarizou lá fora: algarvisation, para descrever o fenómeno do caos urbanístico e degradação de regiões que deitam a perder um enorme potencial de atracção do turismo de qualidade, para se constituírem em destino de "pacotes" a preço de saldo para a classe média-baixa.
Sem pretensões a um tardio cavaleiro branco, é neste contexto que surge a reabilitação do edificado algarvio: os seus objectivos são, basicamente, dois: ajudar a salvar o que resta do carácter e da autenticidade do "Velho Algarve" e, ao mesmo, tempo, constituir uma alternativa a mais construção nova, ajudando a manter as construções recentes que o mereçam.
Saúdo, portanto, a CCRA e o programa INOVAlgarve, ao apoiar a iniciativa de produzir e pôr à disposição de arquitectos e engenheiros documentação que torne a reabilitação mais fácil e acessível, e a ajude a constituir-se como alternativa à construção nova.
1 Ver o artigo de Luísa Schmidt “Al(g)arvidades”, “Expresso”, 02-11-30 V. Cóias e Silva, Presidente do GECoRPA