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A "apresentação" de um edifício ou conjunto histórico, de forma a que as suas essenciais mensagens, enquanto arte e documento da história, possam ser lidas, reconhecidas e (re)transmitidas, é algo mais complexo do que parece. O património religioso e os lugares sagrados fazem apelo à transcendência, à referência ao divino, que talvez seja a única característica do Homem que não tem paralelo em nenhuma espécie animal. Na sua busca do divino, o Homem escolheu lugares e neles construiu espaços aos quais atribuiu significado sagrado. Sendo sagrados, esses lugares destinavam-se a resistir ao desgaste do tempo e, por isso, neles aplicou alguns dos materiais mais resistentes que encontrou na natureza ou que soube inventar. O segredo da preservação de tanto património religioso, por contraste com as duas outras grandes áreas tradicionais do património (o militar e o civil), poderá estar nesta sábia utilização de materiais duráveis e na atribuição de um significado que inspire respeito, congregue os homens e eleve a alma. É que mostrar num edifício todas as formas e entranhas, as que o estruturaram sobrepondo-se no tempo, resulta numa terrível cacofonia. Pode fazer perder o essencial sentido dos discursos, confundindo as mensagens: e a Arquitectura é um projecto de arte – funcional e construído – dado a ver. As amálgamas são testemunho e documento da história mas, necessariamente, são pouco Arquitectura, porque confundem sentidos e significados; é que a Arte só o é quando uma consciência a reconhece como tal (como dizia Argan).
A cor é impressão da luz reflectida, ou (re)transmitida, interpretada pelo cérebro humano (como toda a impressão sujeita à lei do conhecimento prévio), constituindo momento fulcral da comunicação da instância estética, de que fala Brandi, e como tal estrutura a interpretação de conteúdos essenciais a obras de arte (objectos ou cidades históricas). Esta obviedade esqueceu-se demasiado tempo, mas regressa hoje e em força.
A cor não existe sem materiais de cor, a conservação dessa materialidade e, sobretudo, o seu restauro, obrigam a um complexo processo crítico de conhecimento, de análise e de escolha, para apresentar, mantendo ou restituindo, a unidade potencial, a leitura de partituras autênticas. Por isso, diz Brandi, só se restaura a matéria da obra de arte, (…) sem cometer um falso artístico ou um falso histórico, e sem apagar nenhum sinal da passagem da obra de arte no tempo; ou seja, fugimos da fantasia como quem foge do Diabo.
A Pedra & Cal, depois de um número dedicado ao problema da conservação dos revestimentos, convida-me para ajudar noutro tema de capa: o problema da cor. Assim, incorporamos contribuições de um pioneiro encontro internacional (Colour 2008), relembrando saberes de mestres e empresas (da oficina Baganha, à Ludgero), demos espaço aos mais qualificados restauradores (como N. Proença e J. Pestana) e a artigos de investigadores fundamentais (Catedráticos como Vítor Serrão, Professores como Isabel Seruya, ou promissoras Investigadoras, como Milene G. Duarte, ou Patrícia Monteiro).
Vamos com estas (excelentes) companhias, do maior amigo dos castelos (Sousa Lobo), ao turismo (in)sustentável (H. Spínola), dos planos de cor (G. Cavallo) ao Zé. E remata-se da melhor forma: com os textos de um incansável combatente pela imprescindibilidade da cultura, Nuno Teotónio Pereira.
Um diálogo apaixonado entre a praxis e a teoria, a hermenêutica prática que é a conservação, o restauro, a reabilitação. Haverá desafio maior do que tentar salvar a cor da memória?
José Aguiar