Revista Pedra&Cal

Tecnologia da Reabilitação

Indíce

04 Editorial
 Vítor Cóias

06 Tecnologias do Património: A sofisticação pode esperar
Na linha da visão utópica da ciência como garante de um amanhã radioso, ou, mais prosaicamente, do marketing das grandes multinacionais da indústria, as tecnologias “avançadas” surgem-nos envoltas numa aura de irresistível encantamento.
 Vítor Cóias

09 O lugar das técnicas tradicionais na conservação e na salvaguarda do Património
 João Mascarenhas Mateus

12 Técnicas de reabilitação de âmbito estrutural tradicionais vs. modernas
 João Miranda Guedes

15 Inovação e tradição na conservação do património com base em cal
 Marluci Menezes e Maria do Rosário Veiga

20 Projecto de I&D RehabToolBox
A reabilitação de construções e a conservação do património, o reaproveitamento do edificado existente e a melhoria do seu desempenho, constituem vias primordiais de desenvolvimento sustentável
 Raquel Paula

24 Construção com terra
É do conhecimento comum que a terra foi um dos primeiros materiais de construção utilizados pelo Homem. Com efeito, existem no atual território português vestígios do denominado “barro de cabanas” desde o período Calcolítico e que consistia numa arga
 Paulina Faria

30 Estudo termográfico na igreja matriz de Freixo de Numão
A termografia apresenta-se como uma ferramenta útil de apoio na intervenção de trabalhos de conservação e restauro, pois não se tratando de um método invasivo, pode ajudar a orientar metodologias, uma vez que pode apresentar e especificar defeitos es
 Alexandre Araújo

34 Deslocação ou morte
Salvando um edifício histórico mudando-o de sítio
 Vítor Cóias

36 Tecnologias de construção nas normas internacionais de património
 Miguel Brito Correia

38 Aventuras e descobertas em livro comemoram os 50 anos da Gruta do Escoural
 Regis Barbosa

40 Edições GECoRPA
Lançamento da segunda edição do Anuário do Património atrai profissionais e interessados

42 Notícias

48 Vida Associativa

50 Agenda

51 Livraria

52 Empresas associadas do GECoRPA - Grémio do Património

Preço: 5,00 €

N.º 57
Tecnologia da Reabilitação

Tecnologia tradicional e "estado da arte" na conservação do Património


EDITORIAL por Vítor Cóias | Diretor da Pedra & Cal

Tecnologia da Reabilitação

"Estranhamente, a tecnologia, embora claramente um produto do homem, tende a desenvolver-se segundo as suas próprias leis e princípios, que são muito diferentes dos da natureza humana e da natureza da vida em geral. A natureza, por assim dizer, sabe onde e quando parar… A tecnologia não reconhece nenhum princípio de auto limitação – em termos, por exemplo, de tamanho, velocidade, ou violência… No subtil sistema da natureza, a tecnologia, e, em particular, a supertecnologia do mundo moderno, comporta-se como um corpo estranho, e surgem numerosos sinais de rejeição."
E. F. Schumacher1

A Tecnologia (do grego techne "arte, aptidão, habilidade manual") ocupa-se dos saberes e instrumentos utilizados pelos humanos para contrariar as limitações que lhes são impostas pela natureza. São os engenheiros os protagonistas do desenvolvimento e aplicação dos diversos ramos da tecnologia. No domínio da construção, é aos engenheiros civis, em equipa com os arquitetos, que cabe a responsabilidade pelo desenvolvimento, seleção e aplicação da tecnologia, dita construtiva.

Se bem que a citação de Schumacher, e a metáfora do aprendiz de feiticeiro, que lhe está subjacente, não se aplique à tecnologia construtiva com a mesma propriedade que a outras tecnologias cujos riscos são hoje bem patentes, não há dúvida que, mercê da maquinaria, dos materiais e do gigantismo dos meios humanos e financeiros que consegue mobilizar, a construção exerce hoje um enorme impacto sobre a natureza e o próprio ambiente construído, ou seja, a cidade. O que se passou em Portugal nas décadas da transição do milénio é disso um tristemente esclarecedor exemplo. A cupidez e falta de visão dos empreiteiros, dos promotores imobiliários e das grandes associações empresariais do setor, aliada ao facilitismo da legislação e à venalidade de muitos decisores, deixou em herança, aos portugueses que agora atingem a idade adulta, um País com o seu património natural e cultural desvalorizado e a sua economia depauperada pelos milhares de milhões de euros enterrados em obras supérfluas: centenas de milhares de habitações vagas, hectares e hectares de solos infraestruturados ao abandono, estádios de futebol impossíveis de rentabilizar, quilómetros de autoestradas sem tráfego que as justifique, mais centros de congressos, pavilhões polivalentes, etc., etc.: pecados que, hoje, eles são chamados a espiar, através dos impostos, da precariedade económica e da falta de expetativas de futuro.

Daí que faça todo o sentido refletir sobre que contributo pode a sociedade esperar do setor da construção e, por inerência, dos seus atores mais informados, logo, mais responsáveis: os engenheiros civis e os arquitetos.

Ultrapassada a maléfica "febre" da construção nova, esta questão coloca-se, agora, no domínio da reabilitação dos edifícios, dos bairros, das cidades e, ao limite, do próprio território. E não se pode dizer que a nova era tenha começado bem, com a "festa" que foram as obras da Parque Escolar.

É essencial que a "reabilitação" atinja também o próprio setor da construção e o seu parceiro por excelência, o imobiliário. É necessário que estes dois setores, tão importantes para a economia e para o bem-estar dos cidadãos, se livrem das conotações com a corrupção, a fuga ao fisco e o branqueamento de capitais, e se tornem dinamizadores duma revitalização genuína das cidades e duma valorização sustentável do Património natural e construído do País.

E é, também, necessário que, enquanto gestores, projetistas e dirigentes de empresas, os arquitetos, os engenheiros e – no domínio específico do Património cultural construído – os conservadores-restauradores, saibam fazer as melhores opções do ponto de vista dos programas das intervenções de reabilitação e das tecnologias nelas utilizadas. Quanto aos programas das intervenções não é demais sublinhar as referências à Carta Europeia do Património Arquitetónico, 1975, feitas no texto de Miguel Brito Correia: "A introdução de arquitetura contemporânea nos conjuntos antigos […] deve respeitar o contexto [envolvente], as proporções, as formas e as escalas existentes e deve utilizar materiais tradicionais". Os prémios IHRU 2014, ao contrário de outros prémios do imobiliário ditos "nacionais", fizeram a boa pedagogia, destacando intervenções de reabilitação urbana discretas, económicas e respeitadoras daqueles princípios. Quanto à tecnologia, justifica-se destacar em particular as referências à importância da formação e da qualificação profissional contidas nos textos do mesmo Autor, "é indispensável estimular a formação de artesãos e de especialistas na salvaguarda de conjuntos históricos", e também no de João Mascarenhas Mateus e, em particular, no de Paulina Faria sobre a construção em terra.

Em muitos aspetos, a reabilitação das construções existentes, em particular das que constituem património cultural, é mais exigente do ponto de vista tecnológico que a construção nova, pressupondo empresas adequadamente qualificadas. Não há empresas qualificadas sem que, nos seus quadros existam profissionais qualificados. E, já agora, não haverá estímulo à aquisição de qualificações pelos profissionais, se as empresas não forem avaliadas de acordo com aquele critério.

1. Small is beautiful: Economics as if people mattered. Londres, Blond & Briggs, 1973.


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