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O presente número da Pedra & Cal propõe-se corresponder ao apelo lançado pelo ICOMOS e secundado, em Portugal, pelo IGESPAR, a propósito do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, dedicado, este ano, ao tema geral em título. A selecção deste tema visava, segundo o ICOMOS, proporcionar uma reflexão sobre as múltiplas facetas da relação entre a ciência e o património e, bem assim, sobre as oportunidades e ameaças que a primeira encerra no tocante à salvaguarda e à conservação do segundo.
Ora, a Ciência, produto essencial da natureza humana, constitui, ela própria, um património vivo, dinâmico, em permanente construção, que cada geração aprofunda e acrescenta… herança intangível, mas carregada de consequências para todas as espécies que povoam a biosfera e para os ecossistemas de cujo equilíbrio depende a vida sobre o Planeta. A Ciência surge, também, como geradora de património tangível, através das suas construções, objectos, instrumentos e documentos, em particular os utilizados na investigação, no ensino e na divulgação. São exemplos da salvaguarda deste património intervenções recentes, como a do Laboratorio Chimico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, distinguido com uma menção honrosa na reedição, em 2008, do Prémio GECoRPA, ou a do Museu da Ciência, descrito no artigo de Carlos Fiolhais (p. 4), por coincidência instalado no edifício de outro Laboratorio Chimico, mais antigo, o da Universidade de Coimbra.
As várias disciplinas da Ciência constituem, por outro lado, instrumentos para o conhecimento do património, como é ilustrado, neste número, por trabalhos como o de Maria Isabel Prudêncio, Maria Isabel Dias, Christopher Burbidge e Maria José Trindade (p. 10), sobre métodos avançados para conhecer a “história” da construção inscrita nos seus materiais, ou o de José Eduardo Mateus e Paula Fernanda Queiroz (p. 6), este último pondo, até, em evidência a dualidade património natural / património cultural, ao trazer à superfície (literalmente) os traços deixados pela evolução de um e outro, em camadas sucessivas de lamas, lodos e turfas.
O conhecimento assim obtido serve ainda, ele próprio, de suporte para outras tarefas em que outras disciplinas da Ciência são chamadas a intervir na salvaguarda e conservação do património: o levantamento, o diagnóstico, a terapêutica, a intervenção, a monitorização…
Mas a Ciência surge, ainda, quando ao serviço da ganância e cupidez, como “arma de destruição maciça”, quer do património cultural – as comunidades tradicionais e a diversidade cultural – quer do património natural – os ecossistemas terrestres e a diversidade biológica. E não fica, infelizmente, por aqui, o lado oculto e sombrio da Ciência ou da sua emanação directa, a Técnica: elas constituem-se, também, como geradoras de “património negativo”, quando subordinadas ao desenvolvimento insustentável, criando uma “pesada herança” cujo ónus recai sobre as próximas gerações: os “elefantes brancos” e as construções de difícil e onerosa exploração que os vindouros vão ter de rentabilizar e reabilitar, as lixeiras (incluindo as de resíduos radioactivos), brownfields, rios e minas que eles vão ter de limpar e revitalizar, os guetos, subúrbios e regiões deprimidas que vão ter de reinserir e reordenar.
Compete à presente geração, sem dúvida, salvaguardar e transmitir aos vindouros o património cultural que recebemos das gerações passadas. Mas compete-nos também não acrescentar a “pesada herança” que delas recebemos. Tal só é possível com estilos de vida e padrões de desenvolvimento compatíveis com o conceito de sustentabilidade, ou seja, em respeito pela economia de recursos, pelo equilíbrio ecológico e pelos valores culturais e espirituais locais. Vítor Cóias