Revista Pedra&Cal

O PROJETO - INTERVIR EM PATRIMÓNIO

Indíce

04 EDITORIAL
Por um projeto “Amigo do Património"
 Vítor Cóias

05 BOAS PRÁTICAS
O projeto de arquitetura na cidade histórica
 Vítor Cóias

08 Relatório Prévio
Um mecanismo de controlo prévio e de responsabilização dos técnicos em relação às obras ou intervenções no património arquitetónico
 Flávio Lopes

12 Projetar o Passado no Futuro
lugar das Humanidades na construção de projetos em património cultural
 Luiz Oosterbeek

16 CIDADANIA
As ONG do Património no terreno
 Vítor Cóias

20 ESTUDO DE CASO
Reforço das construções em terra
 Paulo B. Lourenço E Maria Pia Ciocci

24
Tratamento face à humidade de pavimentos e paredes em contacto com o terreno
 Vasco Peixoto de Freitas, Pedro Filipe Gonçalves e Isabel Sereno

30
Projecto de reabilitação e valorização do conjunto arquitectónico da Igreja de São Bento do Mato, Azaruja
 Luís Ferro, Ana Cristina Pais, Ângela Barrigó e Rafael Alfenim, Jorge de Oliveira e Eduardo Pereira da Silva

34
A reabilitação da Casa da Boavista, Porto
 Joana Leandro Vasconcelos e Tiago Ilharco

40
Reabilitação e adaptação do Palacete da Quinta do Bom Pastor para instalação da sede da Conferência Episcopal Portuguesa
 Nuno Valentim Lopes e Margarida Carvalho

50
A Arquitetura Paisagista e a Conservação e Restauro do Jardim Botânico da Ajuda
 Sónia Talhé Azambuja

54 PATRIMÓNIO IMATERIAL
Saber-fazer do figurado em barro de Estremoz é património cultural imaterial da humanidade
 Hugo Guerreiro

57 AGENDA

58 NOTÍCIAS

60 VIDA ASSOCIATIVA

N.º 63
O PROJETO - INTERVIR EM PATRIMÓNIO


Por um projeto “Amigo do Património”

No princ
ípio era o Verbo…
 
Para nós, construtores, tudo começa com o Projeto…
No original grego do evangelho segundo S. João, acima citado, o termo utilizado é Logos, traduzido para português, a partir da versão em latim, por Verbo (palavra). No entanto, Logos também significa razão, inteligência, bom senso, conhecimento

São estas as qualidades que devem estar presentes no princípio, quando se avalia o Programa e dele se evolui para o Projeto. No caso dos edifícios isso é, normalmente, tarefa para um arquiteto, em que aquelas qualidades se devem traduzir em competências, sobretudo atitudinais e cognitivas. E as competências requeridas são, obviamente, muito diferentes quando se trata de trabalhar sobre uma simples planta de um terreno virgem ou sobre um edifício existente, mormente se ele é antigo, se integra num tecido urbano complexo, e encerra em si um valor histórico ou artístico a preservar. É por isso que a Lei1 atribui a responsabilidade pela elaboração dos projetos aos “arquitetos, arquitetos paisagistas, engenheiros e engenheiros técnicos”, “na área das suas qualificações e especializações”, que depois traduz em atributos como os níveis de qualificação ou as especializações, concedidas pelas respetivas associações profissionais.

Este número da Pedra & Cal propõe-se pôr em evidência a complexidade conceptual das intervenções no Património Cultural Construído, que transcende largamente o âmbito da ciência das construções, e apela para disciplinas como a história, a história da arte, a arqueologia, a antropologia cultural, a literatura e outras pertencentes ao domínio das humanidades, cuja relevância é tratada por Luiz Oosterbeek no seu artigo.
 
A prática projetual “Amiga do Património” é exemplificada, neste número da P&C, através de dois projetos, de âmbito muito diverso mas igualmente bem-sucedidos: o da Casa da Boavista, no Porto, onde a arquiteta Joana Leandro Vasconcelos conseguiu um resultado final muito agradável e uma melhoria substancial das condições de uso do edifício, sem pôr em causa o seu caráter e sem gastar muito dinheiro ao proprietário; e o do Palacete da Quinta do Bom Pastor, na Buraca, em Lisboa, onde os arquitetos Nuno Valentim Lopes e Margarida Carvalho responderam a um programa muito complexo e exigente, que foi possível compatibilizar com a construção existente circunscrevendo as demolições a alguns espaços interiores menos importantes e já muito alterados. Ao invés, foram cuidadosamente restaurados os revestimentos azulejares, frescos, cantarias e outros elementos decorativos.
 
Dois projetos que se destacam com brilho da maré de obras de reabilitação a “trouxe-mouxe” e das frequentes e graves agressões ao Património Cultural Construído, em edifícios isolados e centros históricos, fruto do facilitismo que atualmente prevalece na aprovação dos projetos e no licenciamento e posterior execução das obras.
 
Faz todo o sentido que a conceção das intervenções nos edifícios e conjuntos históricos seja confiada somente a arquitetos detentores do necessário Logos, ou, por outras palavras, de competências específicas, e que tais competências sejam inequivocamente reconhecidas por quem de direito. O mesmo se passa em relação ao projeto estrutural e aos das várias instalações e sistemas. Embora as intervenções de natureza estrutural sejam normalmente as mais impactantes2, a introdução ou alteração das instalações e sistemas em edifícios ou conjuntos com valor histórico são perturbadoras do equilíbrio em que eles se encontram, representando um risco para a sua integridade e autenticidade. Pressupõem, todas elas, projetistas com qualificações específicas, que devem ser corretamente traduzidas nas especializações concedidas pelas ordens e associações profissionais.

Espera-se que a iniciativa governamental “Reabilitar como Regra” apresentada numa resolução do Conselho de Ministros de novembro do ano passado, possa criar condições para uma maior qualidade das intervenções de reabilitação do edificado e para o usufruto sustentável do Património Cultural Construído do nosso País. Encontrará, certamente, forte resistência por parte dos “interesses instalados” do setor da construção e do imobiliário, que têm prosperado no atual clima de laissez-faire. 
 
NOTAS
1. Lei n.º 31/2009, de 03 de julho – Qualificação profissional dos responsáveis por projetos e pela fiscalização e direção de obra, com as alterações da Lei 40/2015, de 1 de junho.
2. As intervenções estruturais estão enquadradas pelo documento do ISCARSAH (Comité Científico Internacional para a Análise e Restauro de Estruturas do Património Arquitectónico) do ICOMOS – Recomendações para a Análise, Conservação e Restauro Estrutural do Património Arquitectónico. Tradução de Paulo B. Lourenço e Daniel V. Oliveira, Departamento de Engenharia Civil da Universidade do Minho)

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