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O GECoRPA promove a gestão sustentável do património, unindo forças entre empresas, especialistas e organizações dedicadas à preservação e valorização do legado cultural.
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68
COVID-19 - Riscos e Oportunidades para o Património Cultural

Em Portugal, a pandemia pôs a nu as fragilidades do modelo de crescimento económico baseado na tríade Turismo / Imobiliário / Construção, em que governo, regiões e autarquias como Lisboa e Porto apostaram em pleno, pensando assim escapar às mudanças estruturais que há décadas fazem falta ao país. Os alojamentos locais transformaram-se em habitações, os hotéis, grandes e pequenos, ficaram desertos e muitos fecharam. Os promotores imobiliários que realizaram a tempo as suas cobiçadas mais-valias meteram férias e os que a pandemia apanhou com as obras a meio deitam agora contas à vida. Só o parente pobre daquela tríade, a construção, tem visto o volume da produção crescer. Não tanto pelo investimento privado, mas sobretudo através do investimento público, mercê da estratégia expansionista adotada pela Comissão Europeia. As obras recomeçaram e continuam a bom ritmo, muitas delas envolvendo o Património Cultural Construído.É o caso do centro histórico do Porto, agora novamente em destaque pela negativa, com o empreendimento de construção duma torre para um restaurante “com vista” na estação de São Bento, ou o da Gandarinha, Sintra, onde a pretexto da adaptação de um palácio do século XIX, se tem estado a substituir por betão o coberto vegetal da encosta, ou o do claustro leste do mosteiro cisterciense de Alcobaça, transformado em mais um hotel de luxo. Trata-se, em todos estes casos, de Sítios Património Mundial da UNESCO, postos em risco em resultado da aposta cega no Turismo, como consta do relatório “Heritage at Risk 2016-2019” , recentemente publicado pelo ICOMOS.O Turismo e os seus impactos sobre a cidade, os monumentos e os sítios, são, aliás, citados em dez dos onze artigos da presente edição da Pedra & Cal. Nomeadamente no artigo de Esmeralda Paupério e Xavier Romão e o de Alice Tavares. Tal enfoque constitui uma singularidade da presente edição da P&C: o conteúdo afasta-se claramente da linha que tem sido seguida ao longo dos mais de vinte anos de publicação, enunciadas logo no editorial do número zero, publicado em finais de 1997: abordar a prática da reabilitação das construções antigas e, em particular, a conservação e restauro do Património e ajudar as empresas e os profissionais do setor a fazerem um melhor trabalho. De facto, os artigos desta edição são sobretudo artigos de análise e reflexão sobre os excessos do passado recente e sobre as estratégias para lidar com os desafios do futuro pós-pandemia. O ponto de partida foi o inquérito que o Fórum do Património promoveu, no verão passado, junto das ONG subscritoras da declaração final de 2017, relatório cujas conclusões foram recapituladas por Sofia Macedo na intervenção de abertura do Fórum do Património 2020, realizado online já no fim do ano. Pareceu-nos ter sido essa a melhor forma de aproveitar a pausa a que fomos obrigados. Compete-nos, agora, diligenciar para que o pós-pandemia não seja voltar aos erros e excessos cometidos no passado recente, antes seja o início de um novo modelo de crescimento económico em que os contributos do turismo sejam explorados de forma sustentável, em que o valor histórico-artístico do monumentos, conjuntos e sítios seja preservado e em que as cidades se renovem mantendo e rejuvenescendo os seus moradores.Uma outra singularidade desta edição é a de ser a primeira vez que a P&C surge como número duplo. Tentou-se, assim, corrigir o atraso com que a revista tem vindo a público, agora agravado pelas dificuldades adicionais criadas pela pandemia.Há, porém, uma terceira singularidade nesta edição da P&C: a partir de agora, a direção da revista fica confiada à nova presidente da Direção do GECoRPA, Inês Flores-Colen, alguém que, por auspiciosa coincidência, colaborou com o GECoRPA logo nas primeiras iniciativas, incluindo a produção do número zero desta revista. Decorridos os vinte e três anos em que, salvo raras exceções, assinei o editorial da P&C, faço-o, agora, pela última vez. Ao passar o testemunho, quero agradecer em primeiro lugar aos autores, muitos deles profissionais e empresários da área do Património que, ao longo de todo este tempo, enriqueceram o conteúdo da revista com os seus contributos, aos vários colaboradores e equipas que participaram na sua produção, e, em particular à Canto Redondo, na pessoa de Joana Morão que, contra ventos e marés, se encarregou, durante os últimos quinze anos, da produção editorial da revista. Sem a boa vontade e a perseverança de uns e outros a revista não teria vingado. Agradeço à Direção cessante, na pessoa do seu presidente Vasco Peixoto de Freitas, a confiança em mim depositada ao longo do último quadriénio.Finalmente, colocando-me à disposição para ajudar em tudo o que estiver ao meu alcance, desejo à nova Diretora o maior sucesso na sua nova missão.Como quem olha para uma filha, continuarei, agora um pouco mais distante, a olhar para a Pedra & Cal com o mesmo carinho da primeira hora.

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