Cobertura
De substituto da caverna a contributo para a sustentabilidade
"... o homem primitivo não tinha outro elemento além da vara ou do tronco de árvore que lhe pudesse sugerir a possibilidade, que cedo surgiu, de vencer vãos, de cobrir espaços que substituíssem a caverna e pudessem igualmente abrigá-lo das intempéries... Surgiu assim o primeiro abrigo diferente da furna, da caverna ou da gruta..."Assim começava, em agosto de 1961, o engenheiro Tomás Mateus a sua tese para investigador do LNEC. Invocava ele as primeiras construções de madeira que o Homem erigiu para se abrigar, quando abandonou as cavernas e começou a fixar-se por perto dos locais onde mais facilmente encontrava meios de subsistência.A cobertura é, desde sempre, um dos elementos mais importantes de um edifício. Ela constitui um autêntico escudo, defendendo o interior da ação direta dos raios solares e da água da chuva. Uma boa conceção e construção da cobertura tem reflexos muito benéficos na durabilidade do edifício, na economia de energia e no conforto interior. Quer seja inclinada, com duas ou mais "águas", ou plana, em terraço, a cobertura desempenha uma função complexa em comparação com os outros elementos do envelope ou "pele"; do edifício: no nosso país, mais de quatro quilowatts-hora de radiação solar por metro quadrado submetem diariamente a cobertura a forte fadiga térmica; a água da chuva atinge-a diretamente e escorre sobre ela antes de chegar ao solo ou ao sistema de esgotos; o vento solicita-a por vezes com violência, comprimindo-a nuns sítios, aspirando-a noutros.Ciente da importância da cobertura e da sua manutenção, um outro Mateus, o arquiteto Mateus do Couto, advertia, em 1631: "tiray o tecto de hua casa, em pouco tempo paredes, madeyramentos e mais fabrica della vira a terra..."Daí que, numa sequência oposta à da construção nova e contrariando a sabedoria popular, as obras de manutenção e de reabilitação devam geralmente "começar pelo telhado", frequentemente através da montagem de uma cobertura provisória, destinada a proteger a original, degradada, e, sobretudo, o interior do edifício, por essa via diretamente exposto à intempérie.A Casa do Passal, em Cabanas de Viriato (ver artigo nas páginas 38-39), é um notório exemplo do que acontece a um edifício quando se ignoram estes cuidados elementares, na ocorrência com a agravante de se tratar de um monumento nacional, a morada de família desse grande português que foi Aristides de Sousa Mendes.Apesar da prevalência do betão armado como material estrutural, que conduz, naturalmente, à adoção da cobertura horizontal em terraço, o tipo de cobertura mais comum em Portugal continua a ser a inclinada, revestida a telhado. É bom que assim seja, dadas as vantagens de ordem funcional e, também, de ordem estética, na medida em que tal opção contribui para a valorização da “quinta fachada” das cidades, vilas e aldeias, aquela que é vista do ar ou de um ponto alto.As preocupações recentes com a redução do consumo de energia nos edifícios vêm reforçar a importância do desempenho da cobertura. Constata-se, frequentemente, que é ao nível da cobertura que o investimento em reabilitação energética consegue uma maior rentabilidade em quilowatts-hora poupados por euro aplicado, nomeadamente na melhoria do isolamento térmico.Em Portugal, a radiação global anual que incide sobre as coberturas dos edifícios atinge um dos valores mais elevados da Europa. Se essa energia fosse aproveitada, bastariam dois metros quadrados de área exposta para suprir as necessidades anuais de energia elétrica de uma família. É claro que só uma parte daquela energia é aproveitável. Mas, mesmo assim, a captação de energia é já uma nova função da cobertura dos edifícios, função essa que se intensificará certamente no futuro.À captação de energia, começa a somar-se uma outra função que, em muitas regiões, as coberturas já tiveram no passado: a de recolherem a água da chuva. Estas duas novas funções das coberturas contribuirão decisivamente, no futuro, para a redução da pegada ecológica do estilo de vida insustentável a que nos habituámos.
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